24 março 2010

SEBASTVS PRIMVS PORTVGALIAE REX


 Hoje acabei de ler o livro "A Ponte dos Suspiros" de Fernando Campos. É um romance sobre a historia do Rei D. Sebastião caso este não tivesse morrido na batalha de Alcacer-Quibir. Gostei bastante da historia, do enredo, das personagens. O autor consegue mesmo transportar-nos para aquela época e quase nos sentimos a viver naqueles anos e a sentir todas as histórias como se fossemos nós os intervenientes. 

Quando chego ao fim do livro qual não é o meu espanto de ler que o romancista se baseou em factos historicos e documentos da época para escrever o romance... que se acredita mesmo que El Rei nao morreu em Marrocos e andou por Portugal, Espanha, Itália, etc, como um mendigo, com vergonha da dor que causou aos seu povo! E passo a citar:


"Não se pense que é minha invenção que o rumor de que o rei andou disfarçado por aí depois da batalha e a devassa sobre isso mandada fazer pelo cardeal-rei; que é minha invenção o sermão dos Jerónimos (pretendi, neste caso, dar uma explicação para a controvérsia se foi Frei Miguel dos Santos ou o Padre Luis Álvares quem fez o sermão, cujo texto existe na Biblioteca Nacional); que são invenção minha as pessoas que apoiaram o rei em Veneza; ou as cheias nesta cidade na noite em que ele foi libertado da prisão; ou a existencia do rol das marcas fisicas de el-rei; nem o ter havido um traidor cujo nome é documentado em carta do embaixador de Espanha em Veneza ao seu rei; nem a carta do vice-rei de Nápoles ao rei Filipe a sugerir uma troca de prisioneiros no Castel dell'Ovo; nem a chacina de Sanlúcar de Barrameda; nem o mosteiro dos agostinianos em Limoges, com a sua capela de São Sebastião; nem outros muitos pormenores que seria fastidioso citar. São esses pequenos, grandes, estranhos sucessos o fondamento deste romance." - No minimo fascinante, a meu ver.

Foi então que fiquei com esta história na cabeça, que fiquei a admirar El Rei D. Sebastião. Na historia de Portugal nunca houve personagem algum que me marcasse tanto como a historia de D. Sebastião. Vai ficar para sempre gravado na memória este livro e todas as supostas aventuras por que passou. 

Por ter gostado tanto desta história, eis que fui pesquisar mais sobre este assunto e eis que encontro algumas informações, a meu ver, impressionantes. Transcrevo agora algumas:

Numa carta dirigida à Comissão dos Monumentos Históricos, de que era correspondente, e que a morte impediu que chegasse ao seu destino, o abade Texier 2 escreveu:
Quando se fizeram escavações na igreja do mosteiro dos Agostinhos de Limoges, que é hoje uma fábrica de porcelana, encontrou-se entre ossadas humanas uma medalha de ouro em volta da qual se lia: Sebastianus primus Portugaliae rex. Esta medalha representava uma estátua pedestre em trajo de monge. Vi-a, examinei-a, quis moldá-la, mas com o pretexto de que dela se obteria um ouro mais puro para pintar a porcelana, não consegui, apesar do preço que propus, obtê-la daquele Vândalo, que preferiu fundi-la antes de eu poder tirar-lhe o molde, tal o medo de não poder fazer o que queria. Este elemento, reunido aos que foram recolhidos pelo historiador da deposição de Afonso VI, rei de Portugal, lançará alguma luz sobre este ponto duvidoso da história daquele monarca. Esta descoberta é a solução de um problema histórico que esteve envolto em trevas durante mais de dois séculos.

Quanto mais se aprofunda a história, mais se acumulam as provas do regresso do infeliz Sebastião e da sua estada em França. Como a tradição conservada naquela região nos ajuda, acrescentarmos que na igreja do mosteiro dos Agostinhos onde foi descoberta a medalha se via uma capela dedicada ao seu patrono; era voz comum que ali fora enterrado um rei com o mesmo nome.

(...)

todavia, alguns anos mais depois, apresentaram-se dois novos Sebastião, um na ilha Terceira e o segundo na vila de Alcáçovas 4; demonstrada a sua impostura, tiveram a sorte que mereciam. 
Este exemplo de severidade não conseguiu intimidar uma terceira personagem que apareceu em Veneza em 1578, vinte anos após a derrota daquele príncipe. Devido à queixa apresentada pelo embaixador de Filipe II, rei de Espanha, este novo Sebastião foi preso, e nomeou-se uma comissão para o interrogar; foi submetido, segundo o historiador de Afonso VI, a vinte e oito interrogatórios perante o Senado de Veneza, e as suas respostas surpreenderam os juízes; nomeou todos os embaixadores que a república enviara a Portugal enquanto sebastião ocupava o trono; referiu todos os tratados e todos os despachos que tinham tido, o que foi confirmado pelos registos existentes nos arquivos da República. Quando o interrogaram sobre outras coisas, apenas questões de curiosidade, ele calava-se e pedia que o apresentassem a portugueses que o tinham reconhecido.

O doutor Sampaio, dominicano, e outro português, diz o mesmo autor, reconheceram-no como sendo o rei D. Sebastião e pediram a sua liberdade. Sampaio veio a Lisboa e daqui levou um documento feito perante um notário apostólico, que continha em detalhe sinais do rei D. Sebastião. Parece, pelo exame então feito, que este homem se parecia espantosamente com o antigo rei; tinha o lábio austríaco, a mão direita mais comprida que a esquerda, o indicador da mão esquerda mais comprido que o da direita, vinte e dois sinais em diferentes partes do corpo conformes com os de Sebastião e cicatrizes nos lugares onde o rei fora ferido
Interrogado sobre a razão por que não regressara ao seu país após o desastre, respondeu que, preocupado com a derrota e envergonhado por ter causado tão grandes desgraças ao seu reino, ao ver-se livre dos Mouros preferira viver errante a regressar a Portugal.
Depois do seu interrogatório, o Senado de Veneza, ordenou-lhe que abandonasse os territórios da República dentro de oito dias. Esta sentença decidiu o pretenso Sebastião a ir para França mas, como as passagens por terra estavam fechadas, dirigiu-se a Florença, para daí iniciar a viagem por mar. Ao chegar aos estados do grão-duque, este entregou-o aos espanhóis, e ele foi levado para Nápoles. A bordo de uma galera, foi levado para Espanha e aí encerrado no castelo de S. Lucas 5. Depois, não se falou mais dele e não se sabe o que lhe aconteceu.

in: http://forumdefesa.com/forum/viewtopic.php?f=21&t=8850

é de citar esta transcrição interessante (podendo ser consultado no site da Universidade Nova de Lisboa,em http://www.citi.pt/cultura/historia/personalidades/d_sebastiao/cilada.html):

«De acordo com a investigação de Mário Saraiva, a prova está numa directiva do Papa Urbano VIII, de 20 de Outubro de 1630, onde se pode ler: «Fazemos saber que por parte do nosso filho D. Sebastião, rei de Portugal, nos foram apresentadas pessoalmente no Castelo de Santo Ângelo duas sentenças de Clemente VIII e Paulo V, nossos antecessores (...), em que constava estar justificado largamente ser o próprio rei e nesta conformidade estava sentenciado para lhe largar (o trono) Filipe III, rei de Espanha, ao que (este) não quis nunca satisfazer, pedindo-nos agora (que) tornássemos a examinar os processos (...)» (excertos transcritos pelo Jornal Público. Lisboa, 1 de Dezembro de 1996, p. 27).

Resta acrescentar que, tal como diz o texto citado por Mário Saraiva, não existiu apenas um «breve» ou sentença papal, mas sim três: um do papa Clemente VIII, de 1598 (não consegui descobrir o dia e o mês), outro do papa Paulo V, datado de 17 de Março de 1617, e o de Urbano VIII, de 20 de Outubro de 1630.

Um dos grandes defeitos de D. Sebastião era a sua impulsividade e a sua enorme obstinação. Era no entanto um verdadeiro Príncipe da Renascença, com muito do idealismo da Idade Média e do Absolutismo que caracterizou o Renascimento. Ora D. Sebastião herdou, quando coroado rei em 1568, uma dificílima situação internacional e um Reino a braços com ainda maiores problemas. Um verdadeiro Império em declínio.
Com a determinação que lhe era característica, lançou-se na resolução dos problemas, sempre tendo «em negócios primeiro em conta com o bem comum, e só depois com os particulares», e «as Leys que fizer, mostrallas primeiro a homens de virtude e letras para que me apontem os inconvenientes que tiverem» (in Memorial para Governo do Reyno».
Assim, sob o seu impulso pessoal, verificou-se no seu reinado um enorme labor legislativo, talvez o maior que Portugal teve e teria por muitos séculos, quase sempre acertado e muitas vezes eficaz, apesar da gravidade dos problemas. Só que o Rei, para além de obstindo, não cuidava da cobertura política necessária. A política «aborrecia-o» ferozmente, por a considerar uma «cousa prejudicial à República». A antítese, portanto, do «políticamente correcto», infelizmente tão em voga nos dias de hoje.
Foram assim elaboradas as ditas «Ordenações Sebásticas», talvez as mais vastas e avançadas (em termos sociais e humanos) da Europa até ao séc. XIX, e ostensivamente ignoradas por historiadores do Direito (estão na Torre do Tombo muitos exemplares dessas leis e normas). Leis essas que visavam uma maior justiça social («Ser inteiro aos grandes e humano aos pequenos») e um implacável combate à corrupção e tráfico de influências que então (como agora) grassavam no País.
É claro que isto lhe criou inúmeras inimizades, mesmo ódios. Isto enquanto o povo já lhe chamava «o Desejado» em vida, pelas mesmas razões.
Apesar de o tio-avô, D. António, o ter tentado influenciar em novo, D. Sebastião enfrenta directamente a Inquisição (sim, é verdade, está confirmado), arriscando-se a uma excumunhão.
Portanto, para os políticos da nossa praça e d'além fronteira, era imperativo fazer um «golpe de estado» que destituísse ou liquidasse este Rei anti-político e anti-corrupto. Os motivos eram mais do que suficientes, e, depois de dois atentados falhados (em Lisboa e Almeirim, segundo creio), experimenta-se em Alcácer-Quibir. Com sucesso, desta vez, embora o Rei só tivesse morrido «teoricamente».

in: http://thelisbongiraffe.typepad.com/diario_de_lisboa/2005/04/parem_as_mquina.html

é impossivel nao sentir admiração por este homem! Pena que já não se façam politicos assim.

para quem estiver interessado, deixo aqui algumas obras de interesse sobre D. Sebastião, a ver se as consigo comprar:

«Dom Sebastião na História e na Lenda» do Dr. Mário Saraiva, ed. Universitária

«Os Falsos D. Sebastião», de Miguel d'Antas, ed. Heuris, tradução do original em francês publicado em Paris em 1866.


«Dom Sebastião de Portugal» de Antero de Figueiredo, Lisboa, 1924

«Itinerário de El-Rei D. Sebastião» de Veríssimo Serrão, Lisboa, 1962.

«Discurso da Vida do Rey Dom Sebastiam» de D. João de Castro - edição fac-similada da de Paris de 1603. Edições Inapa -

«D. Sebastião e Alcácer-Quibir» de Francisco Sales Loureiro. Alfa 1989 -

«D. Sebastião Antes e Depois de Alcácer-Quibir» de Francisco Sales Loureiro. Vega, 1978

1 comentário:

L.O.A.D.B disse...

tras as bikes tras ;P